terça-feira, 14 de maio de 2013

Elogio da idade

Tenho uma guitarra eléctrica. Tenho uma guitarra eléctrica preta que me arranca sensações únicas de cada vez que lhe sinto o peso nos ombros, de cada vez que os dedos cirandam pelas suas cordas. De cada vez que a oiço ganir e gemer a cada ataque de palheta. 

Há dias, após não lhe ter pegado durante meses, reparei que a ferrugem começava já a ganhar terreno nalguns lugares de maior uso. Junto aos orifícios de onde saem as cordas, também elas já carregadas de fuligem, nos botões de controlo de volume, até no pente que suporta as ripas de metal sonoro. 

Afligi-me. Quis pôr a minha ainda jovem guitarra no salvador das almas instrumentais, dar-lhe uma cara lavada, trocar-lhe as peças, recauchutá-la e pô-la toda limpinha e bonitinha. Como nova. 

E depois... Não.

Não quero a minha guitarra nova. São as mazelas que lhe causei que contam a sua própria história. Sãos os grãos de ferrugem agarrados ao metal que dizem o quanto já foi usada. Ao olhar para o gasto dos materiais sei quantas foram as canções ali tocadas, quais os momentos unicos e irrepetíveis, quais os dias em que me fez sentir o melhor roqueiro do planeta, apesar de estar fechado dentro de quatro paredes e não ter outros ouvidos humanos à escuta que não os meus.

Guardem-se as coisas, velhas. São elas que nos relembram que houve um passado. E que, por isso mesmo, haverá um futuro. Quando deixarem de funcionar, saberemos que, como elas, também nós não somos eternos. 

Se eu renovar a imagem da minha guitarra eléctrica, é ela quem zombar de mim quando eu estiver velho e não souber como ser levado ao salvador das almas humanas. É ela que vai dizer: deste-me a longevidade mas perdeste a tua. 

Envelheçamos à vontade. Todos.

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