quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ode a um taxista

O medo da morte é algo mais ou menos presente em cada um de nós. Mas manifesta-se, particularmente, em situações de maior perigo ou, quanto mais não seja, em circunstâncias nas quais desconfiamos de quem guia os nossos destinos nos minutos vindouros.

Ao bater o pé direito no solo albicastrense, cedo me interpelou um sujeito na casa dos 40, de cabelo enrodilhado e ar saloio, questionando-me se era eu o garoto que haveria de ir para uma das aldeolas da zona. Certo, sou eu, disse.

Levou-me até ao carro e – mal sabia eu – à experiência mais alternadeira e bizarra dos últimos meses. Garantiu-me que eu não quereria ver o estado do porta-bagagens daquele Mercedes, por isso abriu-me a porta que dava acesso ao banco traseiro da viatura e convidou-me a ali colocar as minhas preciosas e imaculadas bagagens. Se o banco estava naquele estado, nem quero imaginar a pocilga em que deve andar a bagageira do carro: cartas abertas e meio rasgadas, folhetos informativos de excursões à Galiza e duas ou três dezenas de bolachas meio mordiscadas, espalhadas de uma ponta à outra. Naquele momento, colocar as malas no chão do carro pareceu-me mais higiénico, por isso assim fiz.

Avancei até ao lugar do pendura para dar de caras com outras duas bolachas mordiscadas no meu assento. Pensando que o meu motorista tiraria aquela bodega do assento, aguardei. Em vão. Com uma certa vergonha alheia, nem sequer tive coragem de arrancar de lá as malditas bolachas. Sentei-me sem esboçar uma reacção, pensando apenas no momento em que me levantaria do carro com dois montes de massa agarrados ao sobretudo. Ao longo da viagem, porém, esqueci as bolachas. A atenção recaiu sobre o cheiro a vinho que empestava o ambiente e que, por uma qualquer razão, me trazia inquietude ao espírito.

A partir daí, nem uma palavra foi mais trocada entre os dois viajantes circunstanciais. Nada. O único som que se ouviu durante meia viagem foi o sinal indicador de que o condutor não levava cinto de segurança colocado. Deve ser uma mania qualquer de taxistas saloios. Só quando o nevoeiro começou a apertar no cimo da serra é que o sujeito, de volante na mão, achou que talvez não fosse grande ideia arriscar ser disparado pelo vidro dianteiro e ir esfregar a focinheira no rail mais próximo. Por isso apertou o cinto.

As duas mãos do amigo pareceram bailarinas. Não por serem graciosas e muito menos por desenharem no ar movimentos de alguma inspiração artística. Nada disso. A mão direita passeava entre o volante e a manete das mudanças, não sem antes ser roída, ocasionalmente, por aqueles dentes meio acastanhados. Mas era a manápula esquerda que tinha a seu cargo as tarefas mais nobres. Primeiro, um esfreganço naquele cabelo empoeirado e pastoso. Depois, o indicador espetado desaparecia numa narina – não sei bem se era para retirar algum muco seco ou se para coçar alguma comichão repentina na massa encefálica. E, como se não bastasse, também os dedos daquela mão precisavam de um trabalho de manicura patrocinado pelos dentes da criatura.

A meio da viagem, a minha vingançazinha por aquele espectáculo deprimente. Apesar do medo constante de saltar estrada fora em direcção a uma encosta da montanha, a caminho de uma morte dolorosa, o ligar inesperado do rádio trouxe ao ar uma canção sobejamente conhecida. Ele, aparentemente, não a conhecia. Aliás, o rádio foi ligado por um qualquer motivo inexplicável e misterioso, uma vez que canções ou estática pareciam nele surtir o mesmo efeito: indiferença. Murmurei confiantemente a melodia da canção, com algum receio de que aqueles dedos imundos pudessem ameaçar-me por estar a dar cabo do ambiente daquele veículo inóspito. Nada aconteceu. Felizmente.

Cheguei bem e estou a escrever isto à lareira. Mas tive algum pânico de passar o Natal debaixo de um cepo no meio da serra de Alvelos.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Ouvi bater à porta

Bateste à porta um dia destes. Tive medo de abrir, por não te reconhecer o rosto. Mas abri. E entraste. Pé ante pé, ao início, mas confiante no momento em que o ambiente te invadiu as narinas e te fez sentir confortável, por um qualquer motivo metafísico.

De lareira acesa, recebi-te. Com um sorriso. Ainda a medo, por não saber o motivo da visita. Só querias ver a casa, ver se valeria a pena regressar, um dia. E dar de caras com uma companhia que acreditavas ser a melhor.

Levei-te a ver os recantos mais belos, para começar. Assumidamente, para te impressionar. Consegui-o, na maioria das vezes. Mas senti necessidade de te mostrar as fendas nas paredes e os recantos por limpar, para que compreendesses que a casa não é perfeita.

Compreendeste e mostraste-te disponível para ajudar a alicerçar melhor a estrutura mestra.

Foste ao andar de cima. Viste os meus mundos. As minhas paixões, os meus baús e também os artefactos bolorentos.

A minha cama foi, por horas, uma nave espacial. Levou-te a outros planetas, contou-te histórias que nunca antes viveste. Deu-te ainda o aconchego que ainda não tinhas experimentado, na tua curta vida. Coçou-te as costas quando precisavas de relaxar.

Gostaste da casa. Voltaste. Sempre com um sorriso rasgado. Hoje mais rasgado que ontem. Hoje menos alegre que amanhã.

Bateste à porta um dia destes. Tive medo de abrir, por não te reconhecer o rosto. Mas abri. E ainda bem. Porque regressaste. E o futuro disse-me ao ouvido que, um dia destes, vais chegar com bagagens para cá morar.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Fugas

A viagem é, normalmente, um escape. Uma fuga da vida de todos os dias. Um correr a sete pés deste mundo de prisões, de trabalho e outros constrangimentos que nos tiram a liberdade pela qual tanto ansiamos. Agarramos na trouxa e fazemo-nos ao caminho.

Não sou particularmente fã de viajar. Não gosto de deixar para trás a vida que tenho. E, sempre que estou longe, dou por mim a deambular em pensamentos em torno daqueles que estão agora sem mim. Na ânsia de um regresso.

Quando estou longe, ocupo-me. Levo trabalho para que as horas passem mais depressa. Se a companhia não for a ideal, enterro-me em livros. Em viagem, escapo-me para o mundo real. Para as coisas que não me deixam perder contacto daquilo que sou e sempre tive. Caso contrário, tenho um medo tolo e irracional de me desinteressar delas.

Amanhã é dia de viagem. O caminho é sempre um ritual de passagem metafísico. Uma chegada a um retiro espiritual onde nada nos distrai de quem somos, das nossas verdadeiras origens. Nada. Nem sequer um telemóvel, que hoje nos traz ruído constante à existência. Ali, o mundo é outro sítio.

Rever família, desfrutar da presença de dois dos indivíduos que mais admiro no planeta. Estar. Ficar. Mas pouco tempo. É o meu quotidiano que me mantém saudável. É nele que estão aqueles que me mantêm equilibrado e, em última análise, feliz.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Relativismos/Romantismos

Olhar em volta. Não ver muito mais além de um punhado de objectos familiares. Procurar algo mais não é solução. Esperar sentado também não. Proporcionar eventos talvez ajude. Descontracção. Relativismo. Tranquilidade.

A vida sempre me trouxe as melhores coisas de uma forma inesperada e raramente aconteceram por uma busca pró-activa. Chamem-me sortudo ou simplesmente sacana. Mas foi a verdade. Os melhores empregos surgiram em épocas menos boas. Um telefonema que desperta estranheza, uma voz simpática do outro lado, uma pergunta. Queres vir? Quero pois! Passado algum tempo, o processo repetia-se. Dizem-me que o trabalho era bom, mas não acredito. Não gosto de me deitar à sombra do que já fiz.

Há dias, a vida presenteou-me com outra surpresa. Uma sms estranha. Um convite simpático mas do qual duvidei. Se me dissessem, naquela altura, que estaria(mos) onde estou agora, teria marcado o 112 à velocidade mais rápida de todos os tempos, exigindo a imediata presença de uma ambulância e de um psiquiatra para auxiliar o pobre que devaneava daquela forma desesperada.

Mas é onde me encontro. Há meses, em conversa com o W, fantasiavam-se momentos a quatro. Faltava o quarto elemento. Ontem concretizou-se o dito encontro. Para meu gáudio pessoal, nada parece abalável neste momento. Talvez seja defeito deste optimista inveterado, mas a presença da AD transformou tudo. Se não for para sempre, será, pelo menos, por um longo período de tempo, estou em crer.

Andas irritante com esse discurso apaixonado, dirão aqueles que me são mais próximos. Reconheço que sim. Mas um dia compreender-me-ão, se é que já não lá chegaram. Porque eu já compreendo aqueles de quem outrora zombei.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Melodias ensurdecedoras

Era agosto de dois mil e dois. Depois de uma viagem com uns tios e um primo a quem chamava, à época, de melhor amigo, chegava à vila. A noite estava agradável, mas não quente como era costume. Era noite de festa lá na terriola, mas não podíamos perder aquele evento. Um concerto. O meu primeiro concerto.

Pela primeira vez, segui o maralhal de gente, mesmo no meio da estrada, sem querer saber dos carros que ali pudessem passar. Era uma lição que viria a aprender nos anos seguintes: em noites de concertos, quem faz mossa são as multidões, não são os carros. Em noites de concertos, os automóveis têm uma regra adicional no código da estrada: a prioridade é do povo, em qualquer ponto da faixa de rodagem.

Percorrido o trajecto, ali estava ele. O palco, imponente – pelo menos para um miúdo de quinze anos. Anos mais tarde viria a descobrir, por termos de comparação, que era um palcozito. Mas chegou-me para me apaixonar. Pela música ao vivo, claro.
Pouco me lembro da entrada em palco da banda. Devia estar apreensivo quanto ao espectáculo. Se bem me conheço, estaria de tal forma curioso que as emoções estariam colocadas em segundo plano. De facto, lembro-me apenas de saltar e gritar apenas lá para o final do concerto. Literalmente. Lembro-me bem de gritar a única letra da banda em questão que sabia de cor naquela época, sobre as saudades que temos quando deixamos a nossa casinha durante muito tempo.

A verdade é que aquele concerto abriu um precedente. O precedente por uma das únicas paixões que me preenchem. O precedente de, dois anos mais tarde, largar dez contos para ver uma banda mais pesadota, ali para os lados de Chelas. O precedente de, todos os anos, entrar em várias salas para ouvir música do pop ao metal. A minha lista – peço desculpa pela minha obsessão – já conta quase cem concertos. Uns mais que outros, todos tiveram algo em comum: o momento em que me deito. As campainhas nos ouvidos. O arranhar da garganta. A voz de vocalista. A sensação de ter vivido mais um momento único em nome da arte.

Quando é o próximo?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Círculo perfeito

Começou bem. Acabou ainda melhor. Mas pelo meio um verdadeiro inferno. [Inferno não, porque lá a música deve ser melhor e as garotas bem mais divertidas.] Pelo meio, 2012 foi destrutivo. Tirou-me anos de vida. Foi dos piores de sempre.

Detesto passagens de ano. Acho-as estúpidas. Ok, estamos aqui todos reunidos só porque sim e... 3, 2, 1, iupi! Festa, confétis e alegria. Agora encharquemo-nos nuns quantos copos e pronto. Estamos num ano novo. Chamem-me conservador ou simplesmente parvo, mas o conceito disto é das coisas mais idiotas de que a Humanidade alguma vez se lembrou. Ou então sou eu que estou a ser redutor. Mas não gosto, pronto. Processem-me.

Ainda assim, este ano compreendo a necessidade de festejar o terminar de um ano horrível e, ainda mais importante, o iniciar de 365 dias que prometem ser memoráveis. A nível pessoal e, quem sabe, a nível profissional.

O ano de 2012 foi, no geral, pavoroso - tirando, pelo menos, dois momentos maravilhosos. Aproveitando a metáfora dos MH, apareceram para aí uns quantos gafanhotos que resolveram sugar toda a plantação que eu tinha em mim. Neste momento, livrei-me totalmente deles e começo a cultivar novas searas.

Mas não me queixo de tudo o que aconteceu. Nada disso. Faria tudo da mesma maneira. É cliché, eu sei, mas hoje aprecio muito mais tudo o que tenho. E aquilo que vier será bastante mais glorificado. Porque já sei o quanto cheira mal estar atulhado de estrume. Por isso, qualquer brisa de ar fresco e puro (ou mesmo perfumado) será guardada com ainda mais carinho no meu museu de memórias. Acho que estou mais crescidinho.

"Down they come, the swarm of locusts. Skies above converge to choke us.
Feast of souls consume the harvest. Young and old, suffer onto the locust." - RF

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Diálogos

Sempre reveladores.

Há os que nos ensinam. Há os que nos fazem parecer mestres. Há as palavras simples que nos oferecem uma estabilidade imensa. Há os que nos emocionam.

Sempre benéficos. As negociações, os ensinamentos e as honestidades presentes em cada uma das conversas que mantemos, seja com aquela pessoa, com os melhores amigos ou com um quase desconhecido, são - ou, pelo menos, devem ser - uma lição de humildade constante.

Desde há poucos dias para cá, dei-me conta de que tenho as melhores pessoas à minha volta. As pessoas ideais. As pessoas que me tornam num melhor ser humano. Foram os diálogos que mantivémos que mo disseram nas entrelinhas.

Acho que nunca antes agradeci a quem está mais presente na minha vida. Nos últimos tempos, têm sido estes. Embora saiba que muitos deles lêem estas palavras neste preciso momento, não é por isso que os aqui menciono. É por puro apreço.

Ao W, pelas palavras genuínas e que sempre me acalentam o coração.
Ao P, por ser um verdadeiro pai, apesar de ser mais novo que eu.
Ao DJD, por saber sempre o que dizer ao sobrinho. E por me emocionar com uma simples sms.
Ao primo P, pelas maravilhas que já me fez viver e pela sentida amizade que me oferece, não obstante os condicionalismos familiares de outra era.
À prima C, pelo companheirismo e pelas conversas literárias sempre inspiradoras.
Ao AS, pelas conversas (por vezes demasiado) racionais e cheias de saber.
Ao G, pela companhia de tantos e tantos anos.
Ao B, pelas conversas de metal.
Ao Av, pelos desabafos e pela constante preocupação.

Mais importante ainda, à AD, por tudo. Por tudo o que és e por tudo o que tens sido.

Gente importante e espantosa. Morresse eu hoje e saberia que tinha os melhores amigos do planeta.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A importância de um nome

Arranjámos nomes para nos encontrarmos. Para chamarmos a nossa própria atenção. Para não nos confundirmos no meio de tantas e tão boas (e tão más também) pessoas. Mesmo assim, nem sempre prestamos atenção devida a um nome. Quando sou apresentado a alguém, é raro decorar-lhe o nome. Escapa-se-me como água por entre os dedos. Não há maneira.

Com o tempo, eventualmente, acabamos por recordar este ou aquele nome. Com a naturalidade própria. Mas quando alguém ganha toda uma nova relevância na nossa existência, o nome é elevado. Obtém uma nova dimensão. Acaba por ser glorificado. Repetido ao expoente da loucura, como escreveu um dia o MC.

Não sei quantas vezes disse o teu nome. Não o teu, mas o nome comum pela qual são chamadas centenas - senão milhares - de raparigas. Três letrinhas que começam a ser habituais no vocabulário corriqueiro deste que escreve.

A carga que essa palavra traz com ela é esmagadora. Não me é, de todo, indiferente. De toda a vez que a digo, existe algo que se transforma. De toda a vez que a leio, seja num email ou numa simples mensagem de telemóvel, há um sentimento que se alimenta.

Não apenas pelas três letrinhas em concreto, mas acima de tudo pela pessoa que elas representam.

"Vão ser precisos meses e meses para eu me fartar dos beijos que te vou dar. Vão ser precisos anos de meses para esgotar os beijos que eu quero dar-te nas mãos, nos cabelos, nos olhos, no pescoço..." - BV

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Imperfeições

Imperfeições. Todos as temos, uns mais que outros. Ainda bem, talvez. Quem é demasiado perfeito, corre o risco de ter uma falsa aura de não-terráqueo. Se és demasiado bom, a pergunta surge: és real? Sim ou não - diz tu e, acima de tudo, faz por isso.

Há dias fui confrontado com algo que creio ser um pequeno defeito meu. Não é que o faça muitas vezes, mas acontece. "Não mostres só palavras, mostra actos". Uma farpa que me acertou mais na cabeça do que propriamente no coração. Ainda bem que assim foi.

De vez em quando falo de mais e faço de menos. Quem me conhece sabe que sou assim. Quem me está a conhecer já descobriu. Mas a frase, dita assim, ressoou-me nos ouvidos e serviu de apelo à mudança.

É essa a parte boa de ouvirmos um ou outro defeito nosso. Fazemos uma análise de consciência e pensamos: "será verdade?". Em caso afirmativo, é avaliar os pratos da balança e pensar se vale a pena mudar. Neste caso sim, porque um prato da balança está lá no alto, vazio, enquanto o outro arrasta no chão, cheio de coisas boas. Há-de ser ainda melhor. Sempre.

"I'm your biggest fan" - TMP

sábado, 8 de dezembro de 2012

Eventos cataclísmicos

Há dias que mudam a nossa vida. Quando acordamos, não temos a mais pequena noção do que saberemos ou da forma como a nossa vida estará transformada no momento em que nos voltarmos a deitar, horas mais tarde. Eventos cataclísmicos que nos põem a vida de pernas para o ar. Positiva ou negativamente.

Quando levanto a cabeça da almofada, o paradigma x prende-me a uma lógica da qual julgo que não sairei em breve. Mas meia dúzia de interacções espoletam umas quantas sensações em qualquer ser humanos que acabam por metamorfoseá-lo profundamente. Uma conversa, um sorriso, por vezes só um olhar. Quando juntos, provocam sismos.

Os dias em que temos noção de que podem ser os primeiros de uma vida são os melhores.  Valorizamo-los da melhor forma. Gravamo-los no nosso museu de memórias e garantimos mentalmente que não deixaremos que sejam esquecidos.

Dias que definem vidas. Pode ser que sim, pode ser que não. Depende daqueles que fazem parte desses dias. Mas, acima de tudo, depende de nós.

"Como explicar? Que as coisas são simples, afinal, e que a dor não passou de um caminho de sentido obrigatório que não dá para atalhar, até um dia chegarmos a quem nos espera desde sempre?" - AD

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Clausura

De tempos a tempos, precisamos de não sair. Estar naquele que é o nosso recanto mais íntimo, onde guardamos tudo aquilo de que gostamos. No meu caso, são livros e filmes. Dois dias inteiros trancado em casa, como modo de puro enriquecimento cultural. Ou, se preferirem, procrastinação.

Além de aliviar as tensões habituais, provenientes dos mais diversos lugares, também nos traz de volta a uma torre de marfim que julgávamos ter desaparecido. Aquela em que conseguimos colocar o quotidiano em perspectiva e reajustar ideias.

A clausura tem dois elementos definidores fundamentais: o tempo e o isolamento. Ambos convidam à reflexão. Ambos nos dão capacidades decisórias que não sabíamos existir. O siso de que precisávamos. O tempo para pensar, a solidão para sermos nós próprios.

Claro que os amigos possuem uma palavra chave. Mesmo quando os dois melhores nos apontam sentidos ligeiramente diferentes. O P, intransigente, diz-me: "vai por ali, não sejas parvo!". O W insiste que "é complicado".

Livros lidos, filmes vistos, guitarras tocadas, música apreciada e pronto para enfrentar de novo a civilização.

Gostamos de uma clausura ocasional porque sabemos que podemos voltar a ser livres quando nos aprouver.

Vou sair.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Olhos vendados

De olhos vendados, às apalpadelas, pé ante pé, com cautela. Sabe-se lá se não há algum buraco pelo caminho.

Sentem-se os toques, os ruídos, até os cheiros. Todos os indicadores gritam, cada um para seu lado, "anda para aqui!", "não! Vêm antes por aqui!".

Dúvidas. Hei-de?

Ou será que não?

Um empurrãozinho aqui, um tactear acolá e mais uma pergunta dirigida simultaneamente a nenhures e a si mesmo. Interroga, questiona. Mais uma resposta, quanto mais não seja provisória.

Quando encontrares a resposta definitiva, podes tirar a venda.

Luz.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Como não trabalhar mais

Numa sala quadrada, 19 indivíduos conversam, ouvem-se e reflectem sobre os pensamentos uns dos outros. Ainda que não tenham a mesma nacionalidade (há aqui portugueses, ingleses, romenos, espanhóis, chineses, dinamarqueses e franceses). Reunidos em nome do conhecimento, do pensamento e da cultura.

Seres que dialogam têm muito mais a ensinar uns aos outros do que simplesmente escrevendo para si mesmos. São estas experiências um dos motivos que me faz adorar o que faço e saber que o quero fazer para o resto dos meus dias. Bendita mudança brusca de vida acontecida em meados de 2006.

Isto leva-me a recordar uma conversa que tive há dias, durante a qual descobri ser um tipo estranho por não vibrar por fazer uma viagem e por não sentir qualquer necessidade de tirar férias.

Esta manhã, o sentido deste sentimento acertou-me com a violência de um camião desgovernado. Há uma maneira de não trabalharmos para o resto da vida: vivendo daquilo que se gosta realmente de fazer. Um emprego torna-se numa paixão. Para quê interrompê-la por umas semanas? Não faz sentido.

Este é o caminho.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Breve história do futuro

Projectamos tudo, constantemente. O que vou fazer assim que chegar a casa? Tenho de sair daqui mais cedo porque há afazeres há minha espera no sítio x. Como estarei dentro de três meses? Qual é o caminho certo para conseguir a estabilidade ansiada?

Sabemos sempre qual o desejo mais idealizado. Sonhamos com eles todos dias, várias vezes ao dia. Recordamo-nos dos motivos pelos quais fazemos tarefas mundanas no quotidianos. Sabemos sempre onde gostaríamos de estar ou, pelo menos, onde queremos chegar. Só não sabemos como será realmente. Porque a situação económica não é a melhor, porque ainda não conseguimos aquela oportunidade, porque os astros ainda não se alinharam todos de determinada maneira para que sejamos um indivíduo feliz. (Para que conste, a estória dos astros é uma metáfora aldrabada. O amigo JS sabia-a toda: "O Universo nunca dará conta da nosa existência".)

Sei qual é a minha estação de sonho. O local onde quero chegar e desembarcar, com umas quantas malas de bagagem. Assentar aí arraiais até a minha pequenita e insignificante existência expirar, prolongada apenas por outras almas.

Sinto que estou cada vez mais perto. Embora ainda faltem ultrapassar uns quantos apeadeiros, já vejo a estação principal lá ao fundo, no meio da névoa, suficientemente misteriosa, como deve ser.

Conheço a profissão que gostava de ter. Tenho um retrato-robô da família que quero para mim.

Não tenho medo do inesperado, ainda assim. É ele que adocica os nossos dias. As melhores coisas acontecem-nos quando não contamos com elas - sei bem do que falo. Aguardo com tranquilidade.

"Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam" - JS

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O combustível de uma mente

Atravessa-me. Mas não me deixa indiferente. Nunca deixou. E continua a ter um efeito esmagador naquilo que sou. Em todas as alturas. Tanto tem o efeito de me fazer querer ser mais como me acalma e me faz não me mexer. Tanto me acalma como me dá energia. É uma vacina da alma. Com ela, estamos habilitados a viver melhor. Mais alegres, mais felizes. Tranquilos e estáveis porque há alguém, algures, que fez a música que sempre quisemos ouvir, que escreveu a letra que parece aplicar-se directamente à nossa própria vida.

A música é transversal a todos nós. Todos temos uma relação estreita com ela. Eu, tu, o nosso vizinho do lado, aquelas pessoas que amamos e também aquelas que odiamos. Toda a gente ouve música. Ninguém lhe é indiferente. A música é ubíqua. Ouvimo-la mesmo quando não nos apetece, somos cercados por ela a toda a hora. Ao mesmo tempo, a música é intemporal na sua antiguidade. Não sabemos quando apareceram os instrumentos musicais porque, em qualquer escavação arqueológica, lá estão os tambores feitos com pele de animais ou as flautas feitas de osso. Em certa medida, a música nasceu connosco. Connosco enquanto indivíduos mas também enquanto Humanidade.

Lembrei-me disto porque, a caminho de mais um dia de escrita - afinal de contas é o que faço da vida -, faltava a música. Sem ela, a inspiração e o empurrãozinho de que preciso para ultrapassar o síndrome da página em branco simplesmente não surgem.

Felizes seres os que nasceram com um espírito musical. O acto de segurar num instrumento musical e reproduzir uma melodia é transcendente. Quando seguramos numa guitarra e conseguimos fazer o que um dos nossos artistas favoritos compôs há uns tempos temos a sensação divina de já não fazermos parte deste planeta.

Ainda mais felizes os que sabem compor peças que nos dão alento para as tarefas que, por vezes - a uns mais que outros -, nos aborrecem. Mas verdadeiramente felizes são os que tiveram, têm e terão a honra de partilhar uma era com brilhantes mentes musicais.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mendigos intelectuais

Adoro pessoas que usam palavras caras só para parecerem eloquentes, embora não façam a mais pálida ideia dos seus significados. As frases complexas, para esse pessoal, são tão complicadas como física quântica.

Não estou a ser elitista nem a armar-me em sabichão - pelo contrário. As palavras caras servem muito bem o propósito que as define. Há que usá-las com parcimónia, sob pena de se cair no ridículo e de se lhes tirar o valor que devem ter.

Quem esbanja palavras caras vai acabar por se tornar num mendigo da língua em que fala. Fosse um dicionário um porta-moedas e estaria a abarrotar de tanta nota de avultado valor. Mas a cada mau uso que lhe damos, é como se lhe espetássemos uma adaga e o rasgássemos de ponta a ponta.

Falar simples é ser claro e inteligente. Falar simples é incluir tudo e todos num só discurso. Falar caro é ser casmurro na ideia aparentemente bem-intencionada segundo a qual só uma determinada franja nos vai compreender. Mas falar caro e mal deixa transparecer a mais pura e suja das verdades: quem assim fala, tem a mesma capacidade de reflexão de uma roda de bicicleta.

Na conversa, como na vida: descomplica!

A sabedoria de um ponto de interrogação

A comunicação fascina-me. Sem ela, não somos nada. Com ela, podemos ser tudo. Comunicamos de toda a maneira e feitio. Falamos com o nosso melhor amigo, com o vizinho do lado ou mesmo com o empregado do café. Mas também pomos organizações a falar. Directa ou indirectamente. Ainda assim, arrisco a dizer que a principal comunicação de cada um de nós acontece connosco mesmos.

Todos falamos sozinhos. Todos temos uma vozinha que, lá do alto, nos diz o que devemos ou não fazer. Chamam-na de consciência. Todos nos interrogamos sobre o que devemos fazer numa determinada situação. Em sentido ideológico, todos pensamos no caminho que devemos trilhar para que a prática do dia-a-dia funcione melhor. Para que tudo faça sentido.

Há dias li uma frase interessante do FS, que nos diz que "fazemos perguntas para viver melhor". Concordo, especialmente se as perguntas foram feitas a nós mesmos. Se nos olharmos em perspectiva, se calcularmos novas possibilidades, se nos colocarmos noutros lugares (físicos ou psicológicos).

Quem aparenta saber tudo não tarda a parecer um falso espertalhão. O princípio é o mesmo do que defende PB, sobre a utopia da comunicação: "quanto mais se comunica, menos transparente se parece".

Os mais sábios de nós não são os que sabem muito. São os que fazem perguntas. Os que as sabem fazer e, acima de tudo, os que sabem ouvir as respostas. São os que não têm medo de parecer menos sapientes ou cultos. Porque é a eles, que um dia arriscaram perguntar ou aventar uma hipótese diferente, que devemos o que, hoje, somos, temos e fazemos.

sábado, 24 de novembro de 2012

Eu tinha razão

Não me quero armar em espertalhão, mas eu tinha razão. O amanhã é melhor. Especialmente quando o amanhã chega depois de um dia mau.

Todos dependemos uns dos outros. Já sabemos isso desde tempos imemoriais. Sozinhos, é muito mais provável que acabemos numa valeta, mortos, enlameados e desprovidos de qualquer dignidade. Somos um animal social, já o dizia A há largos séculos. É inegável.

Andamos sempre à espera que esta ou aquela pessoa nos demonstre algo. Para sabermos que não somos indiferentes. Esperamos uma sms, uma chamada, um e-mail, um contacto mais pessoal na rua, qualquer coisa. De maneira a que a nossa existência aparente ser minimamente útil ou necessária a alguém. Caso contrário, não faz sentido cá andarmos.

Esses toques pessoais do outro na nossa alma garantem a nossa própria sobrevivência. Não é, por isso, de espantar que, após um dia depressivo, um simples e-mail me tenha alterado o estado de espírito. Espicaçou-me, fez-me pular da cadeira como um espigão que se me entrava pela espinha acima. Recordou-me daquilo que cá ando a fazer. 'Bora, em frente.

O hoje, depois de ontem, é melhor. Visto daqui, principalmente.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

E amanhã?

Hoje o dia acordou cinzento. E assim ficou. O dia, como eu, não teve abertas. Nem uma nesga de solinho para aquecer uma qualquer alma. Nada. Hoje vi tudo cinzentão – e não estou a fazer nenhum trocadilho com o meu daltonismo. Há alturas em que teimamos em não deixar o optimismo entrar. Teimamos em manter o negativismo cá dentro, a corroer, a contaminar.

O que é que nos faz isto, de qualquer modo? Medos. Receios. Ansiedades. Sem dúvida. Não tendo nenhuma bola de cristal – e, deus nos livre, ainda bem! – resta-nos aguardar a chegada do amanhã sem saber se seremos os seres mais felizes à face da Terra ou se seremos uns miseráveis quase-humanos.

O que vai ser de mim? Para onde quero ir? Estou a seguir o caminho certo? Qual é o próximo passo? Todos pensamos nisto, certamente. Tu pensas, que eu sei. E tu também. Como eu.

O pior é quando não há respostas. Ou quando as respostas são veementes nãos. Não vais conseguir. Não hás-de ser ninguém. Às vezes sinto que há dois indivíduos distintos a morar aqui dentro. Um, animado, a puxar pela carroça. “Vamos embora, para a frente é que é caminho”. O outro parece um tuga melindrado, daqueles mais velhotes que vemos no banco de jardim. “Vai lá vai, depois eu fico aqui a rir-me quando te espatifares. Isso, atira-te.”

Amanhã não sei. Mas parece-me que há-de ser melhor.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Status

O que se ganha deveria ser proporcionalmente inverso ao estatuto que se tem. Varrer uma rua é muito mais danoso para o ego de um indivíduo do que ser gestor. Dizer que se é empregado de mesa embaraça claramente mais uma mente do que se dizer que é jornalista. Não há a mínima vergonha no tom de voz de quem trabalha numa área "bem" ou mais "digna".

Por isso mesmo, o valor final de uma remuneração deveria ser baseado no capital monetário e no capital simbólico que uma determinada profissão produz individual e colectivamente.

Ideia que não passa, indubitavelmente, de uma simples utopia. Façamos dela, então, o dia-a-dia. Que vergonha há em gerir um restaurante e ser-se mais simples que o presidente de um grupo económico?

"Debaixo da roupa estamos todos nus." - JLP

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Eu sou eu mais todos os outros. Todos os outros que se cruzam no meu caminho. Os bons, os maus e os assim-assim. Todos. Mas, acima de tudo, eu sou eu. Só.

Apesar de viver muito em função daqueles que me rodeiam (especialmente daqueles de quem gosto), olho para mim como um sujeito irremediavelmente só. Sem querer ser insensível, estou sozinho no mundo. Em última análise, é isto. E não me importo.

Em conversa com uma boa amiga, falava-se de dar passeios a sós com a nossa própria consciência. Assim mesmo, no meio da rua, sozinho. A ela (que me perdoe a inconfidência) custa-lhe estar sozinha. A mim não. Claro que prefiro ter alguém por perto com quem partilhar um pensamento ou um facto completamente inútil. Porém também simpatizo bastante com a minha própria companhia.

Faz-me bem conversar com o eu que guardo no capacete. Além disso, sabe bem observar e tirar as minhas próprias conclusões - ou não - sem que nenhum ruído me interrompa.

É impossível sabermos como a cabeça do nosso vizinho funciona. Creio, no entanto, que todos os humanos tenham as suas próprias visões e reflexões. Daí que seja extremamente enriquecedor passarmos tempo connosco próprios, aprendendo com o que temos para nos ensinar.

Quer queiramos quer não, cada um de nós é fascinante. Cada qual à sua maneira. Apreciem-se, em primeiro lugar, a sós com a vossa própria personalidade. Só a partir daí poderão tornar melhor a vida de quem existe ao vosso lado.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estranhos esgares

Um sorriso aligeira qualquer ambiente. Um riso agita. Um sorriso acalma. Aquele esgar torna mais amigável qualquer rosto; a forma como os lábios se curvam para deixar à mostra mais de uma dezena de dentes é definidora de que tudo está em equilíbrio.

Seja quem for que nos atire um sorriso, por muito bom ou mau estado em que esteja aquela boca, a nossa reacção natural e imediata é a de bater essa bola, atirando ao outro o simpático gesto facial, espelhando e reflectindo um suposto estado de alma.

JB tem razão quando diz que um sorriso é o melhor a oferecer quando não há palavras a dizer. Significa que tudo está bem. Significa que este é o caminho. Significa que o bem-estar é recíproco.

Mas não. Quanto mais próximas são duas pessoas, menor é a força de um sorriso. Se não há nada a dizer, algo vai mal. Quem cala guarda algo. Quem sorri, esconde. "She just smiles and puts you down", canta uma banda inglesa, simulando uma resposta menos boa a uma declaração de amor.

Entre dois estranhos, um sorriso é uma simpatia que aproxima duas almas. Entre dois amantes, um sorriso simboliza uma simpatia que afasta, uma simpatia que deixou de ser algo mais.

"Sorri se não tens nada para dizer" - JB

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Tomara!

"Tomara eu chegar à sua idade com a sua saúde". Que delicado e simpático cumprimento. Daqueles que podemos utilizar a qualquer hora num qualquer dia para fazer mais feliz um castiço velhote.

É uma daquelas frases feitas que servem para acalentar o coração de alguém que já viveu mais do dobro que nós. Não que estejamos a ser sinceros - normalmente nem estamos. Consciente ou subconscientemente. Sabemos lá se queremos cá estar com 80 ou 90 ou ainda mais anos de idade, por muito boa que esteja a saúde.

Pregue-nos a vida umas quantas partidas marotas e perdemos imediatamente a vontade de por cá andar uma hora mais que seja. Por isso, não tomara eu chegar à idade de quem quer que seja. Tomara eu - isso sim - ter uma boa e estável existência durante o máximo de tempo possível, rodeado daqueles que mais me amam.

Tomara.

sábado, 17 de novembro de 2012

Desaparecido

Alguém que conhecemos num passado mais ou menos distante e que não faça parte do presente ficou lá. Lá atrás. Imutável. É apenas uma fotografia mental daquilo que aconteceu. Um filme que acreditamos que continue a rodar incessantemente na tela de muitos felizardos. Quando a notícia da morte desse alguém nos marca um dia, impensável e inesperada, apodera-se de nós uma melancolia impotente e uma sensação surreal de irrecuperabilidade.

A pessoa que era e já não é continua a ser o que era. Na nossa mente, nada se modificou. Na realidade, dizem-nos, já não está. Faz parte doutro reino, neste preciso momento. A pouco e pouco, retorna ao pó. As gargalhadas e as piadas que fazia já não existem. Só na memória dos que conviveram com ele.
A dor terá sido, certamente, entre alguns, indescritível. Pesada, negra, insuportável. Quando a notícia nos chega aos ouvidos, porém, demoramos a acreditar nela. Sem dor propriamente dita. Apenas não cremos que aquele ser outrora tão presente já não existe. Ainda hoje, meses depois, é difícil acreditar. Parece que precisamos do lado racional do nosso cérebro a gritar às emoções que “não, já não existe, está morto”. Assim mesmo. Uma racionalidade fria e desprovida de qualquer sentimento.

Está morto.

Pois está. Mas está vivo em muitos de nós. Em mim, pelo menos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Histórias que fazem a nossa História

Hoje, mais que nunca, valorizam-se as experiências. Já fiz isto ou aquilo, já estive ali ou noutro lugar qualquer. É isto que apimenta a vida, que lhe dá vida dentro de si mesma. Já me aconteceu isto, num dia em que até nem estava a contar que a minha singela existência me desse uma lição.

A vida é como um cheesecake de morango. Quanto mais frutos houver na cobertura, mais apetitosa parece. As histórias que compõem o nosso dia-a-dia, aquelas que vale a pena contar, aquelas que animam jantares ou simples convívios no meio da rua, são os morangos que fazem com que os outros queiram provar uma fatia daquilo que somos.
Dei-me conta disto há uns dias, quando contava, num café entre bons amigos, algumas das minhas maiores aventuras resultantes da minha actividade profissional. As gargalhadas que dali vinham representavam, por si só, duas coisas distintas. A minha satisfação da partilha destas experiências e o interesse deles em aprender ou simplesmente divertir-se com as minhas histórias.

É isso que faz com que uma vida seja boa. As histórias. As boas, as más, as que nos fazem aprender, sonhar, sonhar ou simplesmente rir. Não sei se há um sentido para este curto período de tempo que passamos cá. Mas, na ausência de provas da existência de um Além ou mesmo de um deus, resta-nos desfrutar das nossas histórias, partilhá-las com os outros. E, claro, ouvir também o que cada uma das pessoas à nossa volta tem para nos dizer. É essa a riqueza de existir.
 
P.S.: Viver não é o mais importante, ainda assim. O mais relevante é o pensamento, é o ensinamento que retiramos de cada experiência. Ou, como dizia o pai do NLA, "põe um burro a andar à volta de um poço e ele nunca saberá dizer-te o que é uma circunferência".
“Getting someone to laugh is like dope, is like getting heroine straightly injected in your heart” – CO’B

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Desinspirado por uma constipação

Há dias em que, por mais que se tente, nada de valor acrescentado sai das nossas cabeças. Seja um trabalho bem feito, um desabafo assertivo ou mesmo um texto mais ou menos repenicado para um blogue. Ontem foi um desses dias. Tolhido por uma constipação que me mirrou a massa cinzenta, não fui capaz de escrever mais que quatro palavras seguidas. Nem sequer li uma única página de um livro. Quem me conhece bem dirá, certamente, "a gripalhada foi forte". Foi mesmo.

Hoje estou melhor, mas na ressaca de uma coisa destas que nos atropela como se fosse um autocarro desgovernado. Nariz a pingar, tosse de morte, cabeça atordoada que faz o corpo cambalear e os sentidos toldados ao máximo. Dizem que tenho de trabalhar mas a vontade é a mesma de meter os dedos na torradeira - ligada, claro.

Por este testezinho, vejo que as minhas ideias andam a voltar ao lugar e que a minha pequenita capacidade de fazer metáforas estapafúrdias mas elucidativas regressou. Portanto, estou apto.

É engraçado ver como quando estamos assim, em baixa forma intelectual, nenhum estímulo exterior nos faz pensar ou ficar maravilhados. Aquilo que mais nos interessa, sem dúvida, é o nosso bem estar. Como se disséssemos, "quero lá saber do cãozinho que foi adoptado, bom bom era esta dor de garganta ir para o raio que a afunde".

As últimas horas foram plenas de acontecimentos que, não fosse eu estar adoentado, talvez dessem boas histórias para partilhar. Tenho de as apontar e preparar floreados que as tornem ainda mais interessante. Fica a promessa.

Ainda assim, aquilo que mais me abismou foi mesmo o poder que tem um pormenor que nos afecta directamente a vida. Só somos capazes de encontrar conforto ou maravilhamento nas grandes questões: a vida, a morte, o amor... Mas vem uma coisita de nada, como uma constipação, e tudo deixa de fazer sentido. Obrigado à sósia de uma cantora de música ligeira portuguesa que me alertou para este facto.

Sou um estupor egoísta. Como todos nós.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Palavras vazias, corações cheios

Em média, cada galáxia tem cem mil milhões de estrelas. Em média, cada cérebro tem cerca de cem mil milhões de neurónios. A verdade é que cada mente que se atravessa no nosso caminho tem a dimensão de – ou, pelo menos, o potencial para ser – uma galáxia. Temos galáxias de ideias a passear à nossa volta e, ainda assim, nunca poderemos conhecer a larga maioria delas. Porque o nosso telescópio é a linguagem. Temos de a saber ler e compreender.

Tantos cérebros a orbitar a nossa galáxia pessoal e a curta vida que possuímos só nos dará o espaço suficiente para visitar, a fundo, não mais que uma ou outra dezena. Há que saber escolhê-las com a sabedoria do dia-a-dia, mas também com alguma sorte à mistura.

As palavras, por seu lado, tendem a parecer-me cada vez mais vazias. Carregam em si muito pouco do que a mente tem realmente para dizer. Ditas, levam em si uma emotividade que nos diz muito mais do que os sons que a compõem. Escritas, no entanto, são ainda mais desprovidas de sentimento. Há algumas que, com alguma magia e mestria na ordem em que são colocadas, conseguem ter um determinado efeito. Ainda assim, parecem não ser suficientes.

Uma conversa digital pode parecer do mais insensível, sensaborão e impessoal que pode haver. Porém, as palavras colocadas no sítio certo e com um contexto apropriado podem fazer mais do que mil gestos. Tenho sentido isso, nos últimos tempos. Em diversos diálogos - mas num em especial. Num em que as palavras vêm meio vazias ou meio cheias, conforme a nossa disposição quando as lemos. Optimista inveterado, bebo-as com a sensação de que trazem algum conteúdo nelas.

As amizades, paixões e amores provenientes de conversas mantidas ao longo de meses através de dois computadores separados por uns quantos quilómetros de distância sempre me intrigaram. Não que não goste dessas histórias. Pelo contrário. Fascinam-me. Têm o seu quê de medieval. Têm o seu quê de carta enviada à amada que a lerá dentro de seis meses. Aqui, neste início de vigésimo primeiro século, os seis meses foram ligeiramente encurtados para míseros segundos.

O sentimento, no entanto, permanece. Uma mensagem num chat pode despertar emoções até então desconhecidas. Engraçado como um bater de teclado a umas milhas pode fazer-se ouvir no ventrículo esquerdo do coração de um qualquer pré-apaixonado.

Na vida em geral, as leis científicas não se aplicam. Palavras vazias podem encher um coração.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Insónias

Nunca fui daqueles infelizes que raramente conseguem uma boa noite de sono. É certo que não há madrugada alguma em que não acorde, mas é sempre uma questão de minutos - segundos até, talvez. Acorda-se, olha-se para o relógio, memoriza-se subconscientemente que ainda há umas quantas horas de calma pela frente antes do toque do despertador e continua-se, tranquilamente, o sono de beleza - claramente mais eficaz para uns do que para outros.

Insónia é uma palavra que nunca entrou no meu vocabulário. Sempre que alguém me dizia que acordava a meio da noite e ficava desperto como se fossem sete da tarde, olhava para esse testemunho como uma conversa saída directamente de um filme de ficção científica. Insónias. Não sei o que são e não as compreendo. Dizia eu. Dantes.

Nas últimas semanas, algo tem-me feito acordar por volta das três da madrugada.
Não, não é o café. Nem o despertador.
Animais domésticos? Também não. Não os tenho.
Maus hábitos? Também não me parece. Álcool não é coisa que se meta (muitas vezes) no meu caminho. Cigarros, nem vê-los.
Café? Bebo-os, mas não mais agora do que há uns meses, em que dormia que nem um bebé.
O que será isto então?

Preocupações. Possivelmente. Mas custa-me a crer, porque o meu lema de vida é "tudo se resolve".

A verdade é que viver uma insónia é tão surreal quanto ouvir falar dela. Saber que sou a única pessoa acordada nas redondezas. Farto-me do negrume do escuro e acendo o candeeiro. Ver aquela luz fosca e atrapalhada por tanto livro à sua volta faz-me sentir ainda mais ermo e isolado do mundo. Pareço um qualquer intelectual do século XVIII - e peço desde já desculpa pela ousadia da comparação.

Nesses momentos, passam-me pela mente as opções de vida mais alternadeiras e loucas de sempre. E se...? E se...? Não sei se o resto da malta com insónias também pensa nestas coisas ou se desenvolve uma obsessão em forma de voz interior que não conhece outras palavras que não sejam "dorme, caraças! Dorme!"

As possibilidades e as ideias para o que farei no dia seguinte são muitas. Passa-me depressa, (in)felizmente. Até um dia.

sábado, 10 de novembro de 2012

Ataque de caneta

Não sou agressivo mas tenho a plena noção de que defendo aquilo que quero e em que acredito com bastante veemência. Não sou violento. Longe disso. Não tenho ideia de alguma vez ter entrado em conflito físico. Sempre que havia tareia no recreio da escola, eu apanhava em todas as ocasiões. Vivêssemos nós na Pré-História e eu seria o menos apto para a sobrevivência. O Darwinismo rir-se-ia na minha cara sem qualquer piedade.

Felizmente, e para compensar o meu fraco jeito para as artes marciais, o ácido desoxirribonucleico que transporto em mim deu-me as características necessárias para ter um cérebro com algum poder. O meu grande amigo P costuma dizer que sou o gajo mais inteligente que conhece.

Agradeço sempre o benévolo - e certamente hiperbólico - cumprimento, mas reconheço esse valor em mim, do alto da minha modesta imodéstia. Tenho uma espada e um escudo por detrás dos olhos. A ponta da minha caneta ataca e defende, conforme a necessidade.

Ao contrário de outros confrontos, a batalha intelectual não implica a existência de um derrotado. Numa discussão clara, saudável, aberta e desligada de preconceitos, todos ganham. Método socrático: tese, antítese, síntese e - acrescento eu - caminhar em frente.

Não me acho melhor que os outros por isto, porém. Não me acho melhor que os outros por nada, verdade seja dita. Mas se me perguntarem se me considero útil, respondo que sim. Sem reservas.

Não escrevo para ter razão. Escrevo para fazer pensar. Em primeiro lugar, para me fazer pensar a mim, que tenho os neurónios a faiscar a cada letra que desenho. Mas, acima de tudo, para te fazer pensar a ti. A ti que lês e que não és uma máquina. A ti que tens sentimentos. A ti que pensas. A ti que, por vezes, precisas de alguma inspiração para colocar em perspectiva o espaço de tempo que existe entre o momento do teu nascimento e o instante em que expiras o teu último suspiro. A ti que precisas de ler algo metafísico para teres mais confiança no que queres de ti próprio.

Sou presunçoso por achar que posso ajudar-te? Talvez. Mas faço-o. E não hesito. Sem medo de cair no ridículo, sem medo de ser indiferente e sem medo de ser brilhante. Posso falhar redondamente. Mas tentei.

"O sobrevivente não é apenas aquele que sobrevive.
O sobrevivente é aquele que sobrevive enquanto os outros morrem." - EC

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Hábitos alimentares

Comer é um acto social. Não é novidade para ninguém. Sentarmo-nos à mesa para comer é resultado de uma motivação para satisfazer uma necessidade mais emocional e intelectual do que propriamente para saciar o estômago.

Não sei, ainda assim, se sou o único a não gostar de ver alguém a tomar sozinho uma refeição. Se forem idosos então... dá-me pena. Nasce em mim uma estranha compaixão, acompanhada de um desejo súbito e profundo de alegrar o solitário comilão.

Este é, possivelmente, o maior e mais incoerente disparate que alguma vez surgiu neste meu ser trapalhão. Porque, por muito que não goste de almoçar sozinho num sítio apinhado de gente, iria detestar que um estranho se sentasse à mesa comigo e começasse a tentar fazer-me companhia.

Sei-o com tanta convicção por uma razão muito simples: aconteceu-me. Graças a esse evento ocorrido há poucos dias, o meu conceito de fast-food ganhou todo um novo significado. Senti-me o Usain Bolt da comida de plástico.

É sempre bom sair da nossa zona de conforto. Mas não há nada melhor do que um rosto familiar do outro lado da mesa a mastigar ao mesmo ritmo que nós.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Contextos

Há contextos.

Os certos e os errados.

Se puseres uma corda de uma guitarra numa cerca, será que ela é capaz de dar música?

Eus de hoje e amanhã

Serendipidade. A palavra é estranha. Cómica, até. Define aquilo que encontramos por acaso, sem o termos procurado, mas a que até poderemos vir a dar algum uso importante, interessante ou como mero fait-divers.

Há dias, dediquei-me a analisar jornais doutros tempos - vicissitudes da vida e daquilo que queremos fazer dela. O que mais me espantou foi cruzar-me com rostos que fazem a paisagem mediática de hoje e que começavam a fazê-lo, já naquela época.

No antigamente, eram rostos em que o preto era a cor predominante nos cabelos. Os rostos tinham bastante menos rugas - é certo - mas estes sujeitos não envelheceram nada mal.

O que por ali está dito e escrito por estas personagens pode parecer-nos um chorrilho arcaico de sensos comuns. No entanto, naqueles tempos, as mencionadas frases eram novidades e fruto de pensamentos originais. Afinal de contas, já lá vão quase vinte anos.

Sobra a questão. Onde estaremos dentro de duas décadas? Teremos orgulho nas pessoas que fomos neste hoje que agora vivemos? Ou, como diz um conhecido comediante da nossa praça, teremos vontade de voltar ao passado para esbofetear o eu de outrora?

Não sei.

Resta-me tentar encher de orgulho o eu de amanhã.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Escritos

A palavra escrita é sagrada. A palavra dita é etérea. Desaparece no instante seguinte àquele em que a esculpimos no ar com a boca, a língua, os dentes.

O punho fechado com que escrevemos uma palavra representa muito bem a força com que a cravamos no papel - na História.

Por isso escrevo. Não tenho jeito para falar. Embrulho-me. Mas a caneta desliza-me facilmente sobre as linhas. As mãos formam um acto contínuo quando bato um texto no teclado. Sou um pianista informático sem voz.

Os meus dedos e a minha mente gritam mais alto que a minha garganta.

Este grito pode durar anos. Se acertar nos ouvidos certos.

domingo, 4 de novembro de 2012

Estranhos que são família

Ontem fui convidado a estar presente numa reunião de estranhos. Quero dizer, para mim eram estranhos porque nunca tinha trocado mais de seis palavras com dois ou três deles. Os restantes 50 que lá estavam eram perfeitos desconhecidos. Se tivesse passado, há alguns dias, por eles na rua, não me despertariam mais atenção do que outra pessoa qualquer.

São família, dizem-me. Isso é que é de espantar. O tamanho das famílias é muito maior do que poderemos imaginar. Ontem tive uma prova disso. Estranhos que, por um código genético, passam a fazer parte do argumento mais válido de todos os tempos para haver amor incondicional: é família. E que família.

Todos os temos. O tio engraçado que atira piadolas mesmo que só nos tenha conhecido quando ainda não tínhamos sequer a altura de um banco de cozinha. A prima giraça que nem sabíamos que existia. O tio de quem nos lembrávamos vagamente e que, ao vê-lo, culpamos o desgraçado do nosso cérebro por ter memorizado características de forma tão imprecisa. A prima com quem já nos tínhamos cruzado em contexto profissional há uns meses sem fazer a mais pálida ideia que havia um laço de sangue a unir-nos.

A verdade é que esse rótulo familiar torna os estranhos em amigos. Sem pretextos. Em menos de nada, damos por nós a partilhar situações mais ou menos íntimas da nossa vida com alguém que nunca antes tínhamos visto. Porque não há medos. É família. E ainda bem.

Menti no início deste texto. Não é verdade que todos eram estranhos. Bem pertinho de mim tinha as quatro pessoas mais importantes da minha família. Faltava só o DJD. Mas esteve lá. Não só porque todos perguntaram por ele, mas também porque o viam em mim.

"Estás tão novo, DJD!".
"Não, eu sou o..."
"A sério?! Estás igual a ele!"

E novidades, há?

Ontem aprendi uma lição das grandes. Quando te cruzares com um estranho e ele pedir auxílio, não negues. Pode ser família.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Invencíveis

Ainda não eram oito da manhã e vi-os, à minha frente. Um casal nos seus 40 anos. Provavelmente estão os dois sem emprego. Não fosse o contexto menos agradável em que foram vistos, dir-se-ia que são felicíssimos. Mas, afinal de contas, nem tudo é dinheiro, pois não?

Ele com a pele macia de quem acabou de cortar a barba e com uma curta cabeleira pintalgada de brancos que teimam em aparecer. Ela tem menos cabelos grisalhos mas uma face bem menos jovial.

Na hora e tal em que os vi juntos, não houve uma única palavra trocada entre si. Mas os olhares e os gestos ternos falaram mais do que qualquer discurso que pudesse ter sido feito. Um encostar de cabeça no ombro, um sorriso maroto, um beijo suave ao ouvido. As alianças de ouro que levam airosamente no anelar da mão esquerda dizem-me que são casados. A postura de ambos diz que o casamento dura já há alguns anos.

Odeio clichés, mas há um que diz que o amor verdadeiro vence sempre tudo. No caso destas duas almas ainda juntas no meio do infortúnio, o cliché aplica-se perfeitamente. Ninguém julgue que esta realidade é fruto da sorte ou de um feliz acaso. Pode ser, em parte. Mas um resultado destes deve-se à dedicação e à vontade de amar e viver em harmonia e estabilidade.

Aí estão eles. Invencíveis. Apaixonados. Mesmo numa fila para o centro de emprego.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dia zero


Sentado a uma secretária que foi minha mas deixará de o ser em breve, penso em todas as pessoas que perdem o emprego diariamente. Sem pena ou comiseração. Apenas pensamento genuíno e com a menor emoção possível.

“Foi embora, já não trabalha cá”. O momento em que se fecha a porta pela última vez é bem capaz de ser uma tremideira para um espírito mais sensível. Não quero ser dramático com o meu caso. A experiência é sempre boa quando sabemos o que fazer com ela. Por isso sei que, daqui a alguns minutos, quando bater com aquela porta e puser o primeiro pé na rua, não é a angústia ou a dificuldade que me espera. É a oportunidade. A sério.

Odeio aquele discurso macambúzio da crise e das dificuldades. Mas também odeio os optimismos extremos que nos garantem que os momentos menos fáceis são os mais profícuos. Para mim não vai ser mais fácil nem mais difícil. Vai ser diferente. Para melhor, acredito.

Amanhã é o dia um de uma nova vida. Uma vida em que a investigação vai ser o centro da minha existência, em que vou perceber cada vez melhor que é o que quero fazer para o resto dos meus dias. Uma vida em que o lazer vai ter, inevitavelmente, uma presença maior nos meus dias. Uma vida em que as mudanças podem não ser meramente profissionais.

Mas hoje ainda é o dia zero. É aproveitar e reflectir sobre o passado e o futuro. Planear, na medida do possível, e ir vivendo. Com quem estiver por perto. Com quem quiser estar. Com quem fizer por estar. Aqueles de quem gosto sabem quem são. Esses nunca hão-de ir. 

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

De olhos postos no passado


É raro pensarmos no presente. Pensamos no filme que vimos ontem, naquilo que ainda temos por fazer no trabalho, num ou noutro episódio engraçado de infância ou mesmo naquilo que gostaríamos de ser dentro de dez anos, projectando um caminho possível para alcançar a meta final.

É raro termos um pensamento descritivo que defina o preciso momento presente, como um “agora estou a bater nas teclas de um computador” ou “agora o pé direito, agora o pé esquerdo”.

É igualmente divertido observar o que temos à luz do passado. Ou por outra, projectar um possível ou provável futuro tendo em conta aquilo que já vivemos ou as pessoas que já conhecemos. Aliado a isto, há um outro pormaior. O acaso. O acaso de encontrarmos, por mera eventualidade, alguém que já conhecíamos, que a vida se encarregou de nos fazer sair do caminho e que, um dia, por ventura, decidiu devolver-nos.

Mero exemplo ilustrativo: imagine-se um rapaz, despreocupado e a manter um hábito comum, que opta, num domingo como outro qualquer, passear numa livraria. Mistério do universo, horas antes, uma rapariga que o conhece vagamente, decide, sem o saber, que vai passear à mesma livraria que esse ser que não encontra há largos anos. Vêem-se, redescobrem-se. O que virá daí é outro mistério universal. Ligado ao futuro e nunca ao presente. Um mero encontro entre duas pessoas tem uma probabilidade equivalente de significar um nada absoluto tão redondo quanto um zero ou de provocar um evento cataclísmico na vida de algumas centenas de pessoas.

À luz daquilo que vivemos, olhamos para os eventos e, em última análise, para as pessoas segundo aquilo que partilhámos ou conhecemos delas. Valerá a pena? O passado dir-nos-á se sim ou não. Seja por influência directa ou por vivências comparadas.

“Estamos a avançar para o futuro enquanto olhamos apenas para o espelho retrovisor” – MM

sábado, 27 de outubro de 2012

As sereias existem

Hoje vi uma sereia. De longos cabelos loiros, alta, suave nos movimentos. Não a vi na água. Longe disso. O estranho ser arranjou maneira de se escapulir da sua Atlântida pessoal e foi dar a uma sala de aula - sabe-se lá porquê.

Não lhe ouvi a voz. Não sei se fala alguma espécie de linguagem humana. Sabe escrever. Vi-lhe a pequenita letra sem conseguir descortinar uma palavra que fosse.

Olhou-me nos olhos. Fiel ao estereótipo, tem vítreos e oceânicos olhos verdes. Durante o aparentemente breve momento em que nos fitámos, não houve nada daquilo que vemos nos filmes. Nem fascínio, nem aperto no peito, muito menos paixão. Foi um simples olhar sem duração mensurável.

Muito provavelmente, nunca mais a verei na vida nem em terra. Mas um dia vou poder dizer aos meus netos que as sereias existem. Porque hoje vi uma.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Bom de ouvido


O dia-a-dia é aborrecido. Não é a notícia que lemos no jornal nem a pessoa macambúzia que vem ao nosso lado no metro que dão uma nova vida ao nosso quotidiano. Pode ser mas, geralmente, não é. Aquilo que nos entusiasma é, em 90 por cento dos casos, a arte. Seja ela qual for. No meu caso, é a música que faz esse trabalho de espicaçar todas as pequenitas células do meu corpo, que têm uma certa tendência natural para adormecer.

Ontem assisti ao ponto alto dos últimos tempos de uns quantos milhares de portugueses. Numa decisão que tinha sido já tomada há uns meses, efectivada pela compra de um pedaço de papel que todos cremos ser um bilhete de concerto, fui ver a música dos Ornatos Violeta.

Impressiona-me a capacidade que cinco indivíduos têm de criar algo que deixa em êxtase uma sala cheia de gente. O momento da criação de uma “Ouvi Dizer” ou de uma “Chaga” deve ser uma verdadeira epifania. Gostava de ter uma dessas. Não tenho medo de confessar: tenho inveja dos artistas.

A verdade é que a música tem um papel fundamental na vida de todos nós. Antes de mais, é ubíqua, omnipresente. Ouvimo-la em todo o lado. Mesmo quando não queremos. Especialmente quando não queremos. No carro, na rua, nos centros comerciais, nas lojas, em casa, na TV. Em todo o lado.

Quando não a queremos por perto, chega a irritar-nos. Porque gostamos de música. Mas não desta música. Pelo menos comigo é assim. Não gosto de coisas repetitivas como música electrónica ou aquelas canções orelhudas que passam na rádio, que nos dizem para ir ver os aviões não sei aonde ou que um sul-coreano qualquer decidiu gravar. Dessas não. Gosto doutras coisas. Do género daquelas que o Manel Cruz grava. Daquelas que o Manel Cruz cantou ontem e pôs meio mundo aos saltos, na pequenita sala do Coliseu de Lisboa. Sim, essas mesmo.

Quando oiço dessa música, a vida muda. Para melhor. Os tipos que cantaram aquelas letras numa sala esconsa parecem sempre falar-me ao ouvido e conhecer a minha vida ao mais ínfimo pormenor. Além disso, os músicos que compuseram aquela miríade de sons parecem saber exactamente aquilo que preciso de ouvir.

Depois, tenho a sorte de ter um bom ouvido. Não é gabarolice. É uma qualidade assumida – nos dias que correm, ser-se humilde é politicamente correcto, por isso não são só os erros que precisamos de assumir, mas também as nossas qualidades. É uma das minhas maiores qualidades. Ainda me lembro das músicas de Offspring que, no sossego do meu quarto, transpunha de ouvido para a guitarra. Por isso, sei ouvir música. Sei prestar atenção a cada detalhe de uma canção. Quem me conhece bem sabe que não minto.

Quem me quiser fazer feliz, leve-me a um concerto ou dê-me uma viola para as mãos. Está feito. O menino está alegre durante umas horas e fica satisfeito durante dias. Música é boa comida. Música é um livro fabuloso. Música é sexo. Música é uma viagem intensa daqui ao outro lado do universo que dura três ou quatro minutos. Música é tudo isso e muito mais. Posso ter os ouvidos a zunir depois do “Pára-me Agora” ou do “Capitão Romance”, mas vale a pena. A vida não é o dia a dia. A vida é um aborrecimento que vale a pena atravessar penosamente por causa de momentos de extrema felicidade trazidos pelas coisas que amamos. Se assim não fosse, o meu pedido diário seria “Mata-me Outra Vez”.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Da amizade e outras histórias


Estamos completamente sozinhos por cá. A verdade é essa. Temos uma casa craniana na qual vagueia uma pandilha de ideias e convicções. E à nossa volta circulam espelhos, que reflectem tudo o que vêem e apreendem. Nada de novo até aqui.

À minha volta, há dois espelhos que engrandecem a minha própria capacidade de reflexão.

Comecemos pelo princípio. O W. O sempre atabalhoado W. Sujeito que desafia a morte a cada pedaço de condução que lhe passa pela vida. Agarra num volante e é mais perigoso que um macaco a manusear uma Kalashnikov. Mas é o maior. É um contador de histórias à antiga, sabe dar uma carga emocional espantosa a cada experiência da sua vida – especialmente com as suas side-kicks C. e J. Vê-lo ao volante a lançar palavras ao ar enquanto gargalho sem qualquer pudor é daquelas coisas impagáveis que nem todos têm a honra e o prazer de ter.

Do outro lado do ringue, o P. O sacana do P., com a sua lata icomensurável, sempre a dar-me lições de vida. Diria que é a minha consciência em forma de pessoa. Quando concorda comigo sinto-me um filhote leão que conseguiu agradar ao pai na sua primeira caçada. Quando discorda, tento compreendê-lo com uma certa melancolia que me percorre a alma e me diz “estúpido! Da próxima faz melhor”. Costumo vê-lo na bancada de um grande estádio lisboeta. Mas falamo-nos todos os dias – bendita tecnologia.

Eu – como todos nós – tenho irmãos. Não necessariamente de sangue, mas destes. Os amigos são a família que podemos escolher. Eu não os escolhi. Encontrei-os. Sou um sortudo de primeira.

A vós, grandes W. e P. Adoro-vos. Como gente e como companheiros de viagem. Isto não seria o mesmo sem vocês. E vocês sabem-no.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Números


Não importa quem sou. Importa que existo, algures nos arrabaldes da capital portuguesa, e, dentro de alguns dias, serei mais um número nas estatísticas dos desempregados. Um número sem rosto. Um rosto sem emprego. Mas com muito trabalho em mãos.

Engraçada esta forma de nos definirmos a nós mesmos com um título profissional.

Quando me perguntam quem sou, a primeira resposta (a mais natural) diz que “sou jornalista”. Mas isso define-me? Não. Sou mais que isso. Nem pior nem melhor, apenas mais. O jornalismo é uma parte de mim, mas há tantas outras coisas que me compõem.

Quem sou eu?
Sei quem sou, mas não o consigo explicar.
Também não é importante.
Porque sou um número.

O número tem vida?
Sem dúvida.
Tem amigos?
Muitos e dos bons.
Tem namorada?
Pela primeira vez, ao fim de alguns anos, não. E confesso que é estranho.
E esse número de que falas, tem ambições?
Não muitas. Não preciso de muito para ser feliz. Ainda assim, sou ambicioso. Num mundo ideal, estaria na Universidade C., dentro de cinco anos, a dar aulas a turmas de miúdos. E disso fazer a minha vida. A ideia apraz-me muito – estabilidade, tranquilidade e estudo. Mistura perfeita.

A partir de agora terei mais tempo em mãos. Para me aplicar no doutoramento em Ciências da Comunicação – afinal de contas tenho uma tese para escrever; para aprender e compor mais música e para tentar escrever um livro. Além disso, criei um blogue. Mais um num oceano de milhões. Mas os meus textos são egoístas. São escritos, em primeira análise, para mim. À artista. Resolvo partilhá-los porque alguns podem identificar-se com eles e transpô-los para as suas vidas. Ou porque podem ser apenas um passatempo interessante para quem quiser ser uma fly on the wall na vida de um desconhecido, de um vago conhecido ou de um amigo próximo.

Não espero ter muitos leitores. Não espero ser lido muitas vezes. Mas espero fazer a diferença para quem me lê.

Sou um número. Mas prefiro as letras.