quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O combustível de uma mente

Atravessa-me. Mas não me deixa indiferente. Nunca deixou. E continua a ter um efeito esmagador naquilo que sou. Em todas as alturas. Tanto tem o efeito de me fazer querer ser mais como me acalma e me faz não me mexer. Tanto me acalma como me dá energia. É uma vacina da alma. Com ela, estamos habilitados a viver melhor. Mais alegres, mais felizes. Tranquilos e estáveis porque há alguém, algures, que fez a música que sempre quisemos ouvir, que escreveu a letra que parece aplicar-se directamente à nossa própria vida.

A música é transversal a todos nós. Todos temos uma relação estreita com ela. Eu, tu, o nosso vizinho do lado, aquelas pessoas que amamos e também aquelas que odiamos. Toda a gente ouve música. Ninguém lhe é indiferente. A música é ubíqua. Ouvimo-la mesmo quando não nos apetece, somos cercados por ela a toda a hora. Ao mesmo tempo, a música é intemporal na sua antiguidade. Não sabemos quando apareceram os instrumentos musicais porque, em qualquer escavação arqueológica, lá estão os tambores feitos com pele de animais ou as flautas feitas de osso. Em certa medida, a música nasceu connosco. Connosco enquanto indivíduos mas também enquanto Humanidade.

Lembrei-me disto porque, a caminho de mais um dia de escrita - afinal de contas é o que faço da vida -, faltava a música. Sem ela, a inspiração e o empurrãozinho de que preciso para ultrapassar o síndrome da página em branco simplesmente não surgem.

Felizes seres os que nasceram com um espírito musical. O acto de segurar num instrumento musical e reproduzir uma melodia é transcendente. Quando seguramos numa guitarra e conseguimos fazer o que um dos nossos artistas favoritos compôs há uns tempos temos a sensação divina de já não fazermos parte deste planeta.

Ainda mais felizes os que sabem compor peças que nos dão alento para as tarefas que, por vezes - a uns mais que outros -, nos aborrecem. Mas verdadeiramente felizes são os que tiveram, têm e terão a honra de partilhar uma era com brilhantes mentes musicais.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mendigos intelectuais

Adoro pessoas que usam palavras caras só para parecerem eloquentes, embora não façam a mais pálida ideia dos seus significados. As frases complexas, para esse pessoal, são tão complicadas como física quântica.

Não estou a ser elitista nem a armar-me em sabichão - pelo contrário. As palavras caras servem muito bem o propósito que as define. Há que usá-las com parcimónia, sob pena de se cair no ridículo e de se lhes tirar o valor que devem ter.

Quem esbanja palavras caras vai acabar por se tornar num mendigo da língua em que fala. Fosse um dicionário um porta-moedas e estaria a abarrotar de tanta nota de avultado valor. Mas a cada mau uso que lhe damos, é como se lhe espetássemos uma adaga e o rasgássemos de ponta a ponta.

Falar simples é ser claro e inteligente. Falar simples é incluir tudo e todos num só discurso. Falar caro é ser casmurro na ideia aparentemente bem-intencionada segundo a qual só uma determinada franja nos vai compreender. Mas falar caro e mal deixa transparecer a mais pura e suja das verdades: quem assim fala, tem a mesma capacidade de reflexão de uma roda de bicicleta.

Na conversa, como na vida: descomplica!

A sabedoria de um ponto de interrogação

A comunicação fascina-me. Sem ela, não somos nada. Com ela, podemos ser tudo. Comunicamos de toda a maneira e feitio. Falamos com o nosso melhor amigo, com o vizinho do lado ou mesmo com o empregado do café. Mas também pomos organizações a falar. Directa ou indirectamente. Ainda assim, arrisco a dizer que a principal comunicação de cada um de nós acontece connosco mesmos.

Todos falamos sozinhos. Todos temos uma vozinha que, lá do alto, nos diz o que devemos ou não fazer. Chamam-na de consciência. Todos nos interrogamos sobre o que devemos fazer numa determinada situação. Em sentido ideológico, todos pensamos no caminho que devemos trilhar para que a prática do dia-a-dia funcione melhor. Para que tudo faça sentido.

Há dias li uma frase interessante do FS, que nos diz que "fazemos perguntas para viver melhor". Concordo, especialmente se as perguntas foram feitas a nós mesmos. Se nos olharmos em perspectiva, se calcularmos novas possibilidades, se nos colocarmos noutros lugares (físicos ou psicológicos).

Quem aparenta saber tudo não tarda a parecer um falso espertalhão. O princípio é o mesmo do que defende PB, sobre a utopia da comunicação: "quanto mais se comunica, menos transparente se parece".

Os mais sábios de nós não são os que sabem muito. São os que fazem perguntas. Os que as sabem fazer e, acima de tudo, os que sabem ouvir as respostas. São os que não têm medo de parecer menos sapientes ou cultos. Porque é a eles, que um dia arriscaram perguntar ou aventar uma hipótese diferente, que devemos o que, hoje, somos, temos e fazemos.

sábado, 24 de novembro de 2012

Eu tinha razão

Não me quero armar em espertalhão, mas eu tinha razão. O amanhã é melhor. Especialmente quando o amanhã chega depois de um dia mau.

Todos dependemos uns dos outros. Já sabemos isso desde tempos imemoriais. Sozinhos, é muito mais provável que acabemos numa valeta, mortos, enlameados e desprovidos de qualquer dignidade. Somos um animal social, já o dizia A há largos séculos. É inegável.

Andamos sempre à espera que esta ou aquela pessoa nos demonstre algo. Para sabermos que não somos indiferentes. Esperamos uma sms, uma chamada, um e-mail, um contacto mais pessoal na rua, qualquer coisa. De maneira a que a nossa existência aparente ser minimamente útil ou necessária a alguém. Caso contrário, não faz sentido cá andarmos.

Esses toques pessoais do outro na nossa alma garantem a nossa própria sobrevivência. Não é, por isso, de espantar que, após um dia depressivo, um simples e-mail me tenha alterado o estado de espírito. Espicaçou-me, fez-me pular da cadeira como um espigão que se me entrava pela espinha acima. Recordou-me daquilo que cá ando a fazer. 'Bora, em frente.

O hoje, depois de ontem, é melhor. Visto daqui, principalmente.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

E amanhã?

Hoje o dia acordou cinzento. E assim ficou. O dia, como eu, não teve abertas. Nem uma nesga de solinho para aquecer uma qualquer alma. Nada. Hoje vi tudo cinzentão – e não estou a fazer nenhum trocadilho com o meu daltonismo. Há alturas em que teimamos em não deixar o optimismo entrar. Teimamos em manter o negativismo cá dentro, a corroer, a contaminar.

O que é que nos faz isto, de qualquer modo? Medos. Receios. Ansiedades. Sem dúvida. Não tendo nenhuma bola de cristal – e, deus nos livre, ainda bem! – resta-nos aguardar a chegada do amanhã sem saber se seremos os seres mais felizes à face da Terra ou se seremos uns miseráveis quase-humanos.

O que vai ser de mim? Para onde quero ir? Estou a seguir o caminho certo? Qual é o próximo passo? Todos pensamos nisto, certamente. Tu pensas, que eu sei. E tu também. Como eu.

O pior é quando não há respostas. Ou quando as respostas são veementes nãos. Não vais conseguir. Não hás-de ser ninguém. Às vezes sinto que há dois indivíduos distintos a morar aqui dentro. Um, animado, a puxar pela carroça. “Vamos embora, para a frente é que é caminho”. O outro parece um tuga melindrado, daqueles mais velhotes que vemos no banco de jardim. “Vai lá vai, depois eu fico aqui a rir-me quando te espatifares. Isso, atira-te.”

Amanhã não sei. Mas parece-me que há-de ser melhor.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Status

O que se ganha deveria ser proporcionalmente inverso ao estatuto que se tem. Varrer uma rua é muito mais danoso para o ego de um indivíduo do que ser gestor. Dizer que se é empregado de mesa embaraça claramente mais uma mente do que se dizer que é jornalista. Não há a mínima vergonha no tom de voz de quem trabalha numa área "bem" ou mais "digna".

Por isso mesmo, o valor final de uma remuneração deveria ser baseado no capital monetário e no capital simbólico que uma determinada profissão produz individual e colectivamente.

Ideia que não passa, indubitavelmente, de uma simples utopia. Façamos dela, então, o dia-a-dia. Que vergonha há em gerir um restaurante e ser-se mais simples que o presidente de um grupo económico?

"Debaixo da roupa estamos todos nus." - JLP

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Eu sou eu mais todos os outros. Todos os outros que se cruzam no meu caminho. Os bons, os maus e os assim-assim. Todos. Mas, acima de tudo, eu sou eu. Só.

Apesar de viver muito em função daqueles que me rodeiam (especialmente daqueles de quem gosto), olho para mim como um sujeito irremediavelmente só. Sem querer ser insensível, estou sozinho no mundo. Em última análise, é isto. E não me importo.

Em conversa com uma boa amiga, falava-se de dar passeios a sós com a nossa própria consciência. Assim mesmo, no meio da rua, sozinho. A ela (que me perdoe a inconfidência) custa-lhe estar sozinha. A mim não. Claro que prefiro ter alguém por perto com quem partilhar um pensamento ou um facto completamente inútil. Porém também simpatizo bastante com a minha própria companhia.

Faz-me bem conversar com o eu que guardo no capacete. Além disso, sabe bem observar e tirar as minhas próprias conclusões - ou não - sem que nenhum ruído me interrompa.

É impossível sabermos como a cabeça do nosso vizinho funciona. Creio, no entanto, que todos os humanos tenham as suas próprias visões e reflexões. Daí que seja extremamente enriquecedor passarmos tempo connosco próprios, aprendendo com o que temos para nos ensinar.

Quer queiramos quer não, cada um de nós é fascinante. Cada qual à sua maneira. Apreciem-se, em primeiro lugar, a sós com a vossa própria personalidade. Só a partir daí poderão tornar melhor a vida de quem existe ao vosso lado.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Estranhos esgares

Um sorriso aligeira qualquer ambiente. Um riso agita. Um sorriso acalma. Aquele esgar torna mais amigável qualquer rosto; a forma como os lábios se curvam para deixar à mostra mais de uma dezena de dentes é definidora de que tudo está em equilíbrio.

Seja quem for que nos atire um sorriso, por muito bom ou mau estado em que esteja aquela boca, a nossa reacção natural e imediata é a de bater essa bola, atirando ao outro o simpático gesto facial, espelhando e reflectindo um suposto estado de alma.

JB tem razão quando diz que um sorriso é o melhor a oferecer quando não há palavras a dizer. Significa que tudo está bem. Significa que este é o caminho. Significa que o bem-estar é recíproco.

Mas não. Quanto mais próximas são duas pessoas, menor é a força de um sorriso. Se não há nada a dizer, algo vai mal. Quem cala guarda algo. Quem sorri, esconde. "She just smiles and puts you down", canta uma banda inglesa, simulando uma resposta menos boa a uma declaração de amor.

Entre dois estranhos, um sorriso é uma simpatia que aproxima duas almas. Entre dois amantes, um sorriso simboliza uma simpatia que afasta, uma simpatia que deixou de ser algo mais.

"Sorri se não tens nada para dizer" - JB

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Tomara!

"Tomara eu chegar à sua idade com a sua saúde". Que delicado e simpático cumprimento. Daqueles que podemos utilizar a qualquer hora num qualquer dia para fazer mais feliz um castiço velhote.

É uma daquelas frases feitas que servem para acalentar o coração de alguém que já viveu mais do dobro que nós. Não que estejamos a ser sinceros - normalmente nem estamos. Consciente ou subconscientemente. Sabemos lá se queremos cá estar com 80 ou 90 ou ainda mais anos de idade, por muito boa que esteja a saúde.

Pregue-nos a vida umas quantas partidas marotas e perdemos imediatamente a vontade de por cá andar uma hora mais que seja. Por isso, não tomara eu chegar à idade de quem quer que seja. Tomara eu - isso sim - ter uma boa e estável existência durante o máximo de tempo possível, rodeado daqueles que mais me amam.

Tomara.

sábado, 17 de novembro de 2012

Desaparecido

Alguém que conhecemos num passado mais ou menos distante e que não faça parte do presente ficou lá. Lá atrás. Imutável. É apenas uma fotografia mental daquilo que aconteceu. Um filme que acreditamos que continue a rodar incessantemente na tela de muitos felizardos. Quando a notícia da morte desse alguém nos marca um dia, impensável e inesperada, apodera-se de nós uma melancolia impotente e uma sensação surreal de irrecuperabilidade.

A pessoa que era e já não é continua a ser o que era. Na nossa mente, nada se modificou. Na realidade, dizem-nos, já não está. Faz parte doutro reino, neste preciso momento. A pouco e pouco, retorna ao pó. As gargalhadas e as piadas que fazia já não existem. Só na memória dos que conviveram com ele.
A dor terá sido, certamente, entre alguns, indescritível. Pesada, negra, insuportável. Quando a notícia nos chega aos ouvidos, porém, demoramos a acreditar nela. Sem dor propriamente dita. Apenas não cremos que aquele ser outrora tão presente já não existe. Ainda hoje, meses depois, é difícil acreditar. Parece que precisamos do lado racional do nosso cérebro a gritar às emoções que “não, já não existe, está morto”. Assim mesmo. Uma racionalidade fria e desprovida de qualquer sentimento.

Está morto.

Pois está. Mas está vivo em muitos de nós. Em mim, pelo menos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Histórias que fazem a nossa História

Hoje, mais que nunca, valorizam-se as experiências. Já fiz isto ou aquilo, já estive ali ou noutro lugar qualquer. É isto que apimenta a vida, que lhe dá vida dentro de si mesma. Já me aconteceu isto, num dia em que até nem estava a contar que a minha singela existência me desse uma lição.

A vida é como um cheesecake de morango. Quanto mais frutos houver na cobertura, mais apetitosa parece. As histórias que compõem o nosso dia-a-dia, aquelas que vale a pena contar, aquelas que animam jantares ou simples convívios no meio da rua, são os morangos que fazem com que os outros queiram provar uma fatia daquilo que somos.
Dei-me conta disto há uns dias, quando contava, num café entre bons amigos, algumas das minhas maiores aventuras resultantes da minha actividade profissional. As gargalhadas que dali vinham representavam, por si só, duas coisas distintas. A minha satisfação da partilha destas experiências e o interesse deles em aprender ou simplesmente divertir-se com as minhas histórias.

É isso que faz com que uma vida seja boa. As histórias. As boas, as más, as que nos fazem aprender, sonhar, sonhar ou simplesmente rir. Não sei se há um sentido para este curto período de tempo que passamos cá. Mas, na ausência de provas da existência de um Além ou mesmo de um deus, resta-nos desfrutar das nossas histórias, partilhá-las com os outros. E, claro, ouvir também o que cada uma das pessoas à nossa volta tem para nos dizer. É essa a riqueza de existir.
 
P.S.: Viver não é o mais importante, ainda assim. O mais relevante é o pensamento, é o ensinamento que retiramos de cada experiência. Ou, como dizia o pai do NLA, "põe um burro a andar à volta de um poço e ele nunca saberá dizer-te o que é uma circunferência".
“Getting someone to laugh is like dope, is like getting heroine straightly injected in your heart” – CO’B

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Desinspirado por uma constipação

Há dias em que, por mais que se tente, nada de valor acrescentado sai das nossas cabeças. Seja um trabalho bem feito, um desabafo assertivo ou mesmo um texto mais ou menos repenicado para um blogue. Ontem foi um desses dias. Tolhido por uma constipação que me mirrou a massa cinzenta, não fui capaz de escrever mais que quatro palavras seguidas. Nem sequer li uma única página de um livro. Quem me conhece bem dirá, certamente, "a gripalhada foi forte". Foi mesmo.

Hoje estou melhor, mas na ressaca de uma coisa destas que nos atropela como se fosse um autocarro desgovernado. Nariz a pingar, tosse de morte, cabeça atordoada que faz o corpo cambalear e os sentidos toldados ao máximo. Dizem que tenho de trabalhar mas a vontade é a mesma de meter os dedos na torradeira - ligada, claro.

Por este testezinho, vejo que as minhas ideias andam a voltar ao lugar e que a minha pequenita capacidade de fazer metáforas estapafúrdias mas elucidativas regressou. Portanto, estou apto.

É engraçado ver como quando estamos assim, em baixa forma intelectual, nenhum estímulo exterior nos faz pensar ou ficar maravilhados. Aquilo que mais nos interessa, sem dúvida, é o nosso bem estar. Como se disséssemos, "quero lá saber do cãozinho que foi adoptado, bom bom era esta dor de garganta ir para o raio que a afunde".

As últimas horas foram plenas de acontecimentos que, não fosse eu estar adoentado, talvez dessem boas histórias para partilhar. Tenho de as apontar e preparar floreados que as tornem ainda mais interessante. Fica a promessa.

Ainda assim, aquilo que mais me abismou foi mesmo o poder que tem um pormenor que nos afecta directamente a vida. Só somos capazes de encontrar conforto ou maravilhamento nas grandes questões: a vida, a morte, o amor... Mas vem uma coisita de nada, como uma constipação, e tudo deixa de fazer sentido. Obrigado à sósia de uma cantora de música ligeira portuguesa que me alertou para este facto.

Sou um estupor egoísta. Como todos nós.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Palavras vazias, corações cheios

Em média, cada galáxia tem cem mil milhões de estrelas. Em média, cada cérebro tem cerca de cem mil milhões de neurónios. A verdade é que cada mente que se atravessa no nosso caminho tem a dimensão de – ou, pelo menos, o potencial para ser – uma galáxia. Temos galáxias de ideias a passear à nossa volta e, ainda assim, nunca poderemos conhecer a larga maioria delas. Porque o nosso telescópio é a linguagem. Temos de a saber ler e compreender.

Tantos cérebros a orbitar a nossa galáxia pessoal e a curta vida que possuímos só nos dará o espaço suficiente para visitar, a fundo, não mais que uma ou outra dezena. Há que saber escolhê-las com a sabedoria do dia-a-dia, mas também com alguma sorte à mistura.

As palavras, por seu lado, tendem a parecer-me cada vez mais vazias. Carregam em si muito pouco do que a mente tem realmente para dizer. Ditas, levam em si uma emotividade que nos diz muito mais do que os sons que a compõem. Escritas, no entanto, são ainda mais desprovidas de sentimento. Há algumas que, com alguma magia e mestria na ordem em que são colocadas, conseguem ter um determinado efeito. Ainda assim, parecem não ser suficientes.

Uma conversa digital pode parecer do mais insensível, sensaborão e impessoal que pode haver. Porém, as palavras colocadas no sítio certo e com um contexto apropriado podem fazer mais do que mil gestos. Tenho sentido isso, nos últimos tempos. Em diversos diálogos - mas num em especial. Num em que as palavras vêm meio vazias ou meio cheias, conforme a nossa disposição quando as lemos. Optimista inveterado, bebo-as com a sensação de que trazem algum conteúdo nelas.

As amizades, paixões e amores provenientes de conversas mantidas ao longo de meses através de dois computadores separados por uns quantos quilómetros de distância sempre me intrigaram. Não que não goste dessas histórias. Pelo contrário. Fascinam-me. Têm o seu quê de medieval. Têm o seu quê de carta enviada à amada que a lerá dentro de seis meses. Aqui, neste início de vigésimo primeiro século, os seis meses foram ligeiramente encurtados para míseros segundos.

O sentimento, no entanto, permanece. Uma mensagem num chat pode despertar emoções até então desconhecidas. Engraçado como um bater de teclado a umas milhas pode fazer-se ouvir no ventrículo esquerdo do coração de um qualquer pré-apaixonado.

Na vida em geral, as leis científicas não se aplicam. Palavras vazias podem encher um coração.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Insónias

Nunca fui daqueles infelizes que raramente conseguem uma boa noite de sono. É certo que não há madrugada alguma em que não acorde, mas é sempre uma questão de minutos - segundos até, talvez. Acorda-se, olha-se para o relógio, memoriza-se subconscientemente que ainda há umas quantas horas de calma pela frente antes do toque do despertador e continua-se, tranquilamente, o sono de beleza - claramente mais eficaz para uns do que para outros.

Insónia é uma palavra que nunca entrou no meu vocabulário. Sempre que alguém me dizia que acordava a meio da noite e ficava desperto como se fossem sete da tarde, olhava para esse testemunho como uma conversa saída directamente de um filme de ficção científica. Insónias. Não sei o que são e não as compreendo. Dizia eu. Dantes.

Nas últimas semanas, algo tem-me feito acordar por volta das três da madrugada.
Não, não é o café. Nem o despertador.
Animais domésticos? Também não. Não os tenho.
Maus hábitos? Também não me parece. Álcool não é coisa que se meta (muitas vezes) no meu caminho. Cigarros, nem vê-los.
Café? Bebo-os, mas não mais agora do que há uns meses, em que dormia que nem um bebé.
O que será isto então?

Preocupações. Possivelmente. Mas custa-me a crer, porque o meu lema de vida é "tudo se resolve".

A verdade é que viver uma insónia é tão surreal quanto ouvir falar dela. Saber que sou a única pessoa acordada nas redondezas. Farto-me do negrume do escuro e acendo o candeeiro. Ver aquela luz fosca e atrapalhada por tanto livro à sua volta faz-me sentir ainda mais ermo e isolado do mundo. Pareço um qualquer intelectual do século XVIII - e peço desde já desculpa pela ousadia da comparação.

Nesses momentos, passam-me pela mente as opções de vida mais alternadeiras e loucas de sempre. E se...? E se...? Não sei se o resto da malta com insónias também pensa nestas coisas ou se desenvolve uma obsessão em forma de voz interior que não conhece outras palavras que não sejam "dorme, caraças! Dorme!"

As possibilidades e as ideias para o que farei no dia seguinte são muitas. Passa-me depressa, (in)felizmente. Até um dia.

sábado, 10 de novembro de 2012

Ataque de caneta

Não sou agressivo mas tenho a plena noção de que defendo aquilo que quero e em que acredito com bastante veemência. Não sou violento. Longe disso. Não tenho ideia de alguma vez ter entrado em conflito físico. Sempre que havia tareia no recreio da escola, eu apanhava em todas as ocasiões. Vivêssemos nós na Pré-História e eu seria o menos apto para a sobrevivência. O Darwinismo rir-se-ia na minha cara sem qualquer piedade.

Felizmente, e para compensar o meu fraco jeito para as artes marciais, o ácido desoxirribonucleico que transporto em mim deu-me as características necessárias para ter um cérebro com algum poder. O meu grande amigo P costuma dizer que sou o gajo mais inteligente que conhece.

Agradeço sempre o benévolo - e certamente hiperbólico - cumprimento, mas reconheço esse valor em mim, do alto da minha modesta imodéstia. Tenho uma espada e um escudo por detrás dos olhos. A ponta da minha caneta ataca e defende, conforme a necessidade.

Ao contrário de outros confrontos, a batalha intelectual não implica a existência de um derrotado. Numa discussão clara, saudável, aberta e desligada de preconceitos, todos ganham. Método socrático: tese, antítese, síntese e - acrescento eu - caminhar em frente.

Não me acho melhor que os outros por isto, porém. Não me acho melhor que os outros por nada, verdade seja dita. Mas se me perguntarem se me considero útil, respondo que sim. Sem reservas.

Não escrevo para ter razão. Escrevo para fazer pensar. Em primeiro lugar, para me fazer pensar a mim, que tenho os neurónios a faiscar a cada letra que desenho. Mas, acima de tudo, para te fazer pensar a ti. A ti que lês e que não és uma máquina. A ti que tens sentimentos. A ti que pensas. A ti que, por vezes, precisas de alguma inspiração para colocar em perspectiva o espaço de tempo que existe entre o momento do teu nascimento e o instante em que expiras o teu último suspiro. A ti que precisas de ler algo metafísico para teres mais confiança no que queres de ti próprio.

Sou presunçoso por achar que posso ajudar-te? Talvez. Mas faço-o. E não hesito. Sem medo de cair no ridículo, sem medo de ser indiferente e sem medo de ser brilhante. Posso falhar redondamente. Mas tentei.

"O sobrevivente não é apenas aquele que sobrevive.
O sobrevivente é aquele que sobrevive enquanto os outros morrem." - EC

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Hábitos alimentares

Comer é um acto social. Não é novidade para ninguém. Sentarmo-nos à mesa para comer é resultado de uma motivação para satisfazer uma necessidade mais emocional e intelectual do que propriamente para saciar o estômago.

Não sei, ainda assim, se sou o único a não gostar de ver alguém a tomar sozinho uma refeição. Se forem idosos então... dá-me pena. Nasce em mim uma estranha compaixão, acompanhada de um desejo súbito e profundo de alegrar o solitário comilão.

Este é, possivelmente, o maior e mais incoerente disparate que alguma vez surgiu neste meu ser trapalhão. Porque, por muito que não goste de almoçar sozinho num sítio apinhado de gente, iria detestar que um estranho se sentasse à mesa comigo e começasse a tentar fazer-me companhia.

Sei-o com tanta convicção por uma razão muito simples: aconteceu-me. Graças a esse evento ocorrido há poucos dias, o meu conceito de fast-food ganhou todo um novo significado. Senti-me o Usain Bolt da comida de plástico.

É sempre bom sair da nossa zona de conforto. Mas não há nada melhor do que um rosto familiar do outro lado da mesa a mastigar ao mesmo ritmo que nós.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Contextos

Há contextos.

Os certos e os errados.

Se puseres uma corda de uma guitarra numa cerca, será que ela é capaz de dar música?

Eus de hoje e amanhã

Serendipidade. A palavra é estranha. Cómica, até. Define aquilo que encontramos por acaso, sem o termos procurado, mas a que até poderemos vir a dar algum uso importante, interessante ou como mero fait-divers.

Há dias, dediquei-me a analisar jornais doutros tempos - vicissitudes da vida e daquilo que queremos fazer dela. O que mais me espantou foi cruzar-me com rostos que fazem a paisagem mediática de hoje e que começavam a fazê-lo, já naquela época.

No antigamente, eram rostos em que o preto era a cor predominante nos cabelos. Os rostos tinham bastante menos rugas - é certo - mas estes sujeitos não envelheceram nada mal.

O que por ali está dito e escrito por estas personagens pode parecer-nos um chorrilho arcaico de sensos comuns. No entanto, naqueles tempos, as mencionadas frases eram novidades e fruto de pensamentos originais. Afinal de contas, já lá vão quase vinte anos.

Sobra a questão. Onde estaremos dentro de duas décadas? Teremos orgulho nas pessoas que fomos neste hoje que agora vivemos? Ou, como diz um conhecido comediante da nossa praça, teremos vontade de voltar ao passado para esbofetear o eu de outrora?

Não sei.

Resta-me tentar encher de orgulho o eu de amanhã.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Escritos

A palavra escrita é sagrada. A palavra dita é etérea. Desaparece no instante seguinte àquele em que a esculpimos no ar com a boca, a língua, os dentes.

O punho fechado com que escrevemos uma palavra representa muito bem a força com que a cravamos no papel - na História.

Por isso escrevo. Não tenho jeito para falar. Embrulho-me. Mas a caneta desliza-me facilmente sobre as linhas. As mãos formam um acto contínuo quando bato um texto no teclado. Sou um pianista informático sem voz.

Os meus dedos e a minha mente gritam mais alto que a minha garganta.

Este grito pode durar anos. Se acertar nos ouvidos certos.

domingo, 4 de novembro de 2012

Estranhos que são família

Ontem fui convidado a estar presente numa reunião de estranhos. Quero dizer, para mim eram estranhos porque nunca tinha trocado mais de seis palavras com dois ou três deles. Os restantes 50 que lá estavam eram perfeitos desconhecidos. Se tivesse passado, há alguns dias, por eles na rua, não me despertariam mais atenção do que outra pessoa qualquer.

São família, dizem-me. Isso é que é de espantar. O tamanho das famílias é muito maior do que poderemos imaginar. Ontem tive uma prova disso. Estranhos que, por um código genético, passam a fazer parte do argumento mais válido de todos os tempos para haver amor incondicional: é família. E que família.

Todos os temos. O tio engraçado que atira piadolas mesmo que só nos tenha conhecido quando ainda não tínhamos sequer a altura de um banco de cozinha. A prima giraça que nem sabíamos que existia. O tio de quem nos lembrávamos vagamente e que, ao vê-lo, culpamos o desgraçado do nosso cérebro por ter memorizado características de forma tão imprecisa. A prima com quem já nos tínhamos cruzado em contexto profissional há uns meses sem fazer a mais pálida ideia que havia um laço de sangue a unir-nos.

A verdade é que esse rótulo familiar torna os estranhos em amigos. Sem pretextos. Em menos de nada, damos por nós a partilhar situações mais ou menos íntimas da nossa vida com alguém que nunca antes tínhamos visto. Porque não há medos. É família. E ainda bem.

Menti no início deste texto. Não é verdade que todos eram estranhos. Bem pertinho de mim tinha as quatro pessoas mais importantes da minha família. Faltava só o DJD. Mas esteve lá. Não só porque todos perguntaram por ele, mas também porque o viam em mim.

"Estás tão novo, DJD!".
"Não, eu sou o..."
"A sério?! Estás igual a ele!"

E novidades, há?

Ontem aprendi uma lição das grandes. Quando te cruzares com um estranho e ele pedir auxílio, não negues. Pode ser família.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Invencíveis

Ainda não eram oito da manhã e vi-os, à minha frente. Um casal nos seus 40 anos. Provavelmente estão os dois sem emprego. Não fosse o contexto menos agradável em que foram vistos, dir-se-ia que são felicíssimos. Mas, afinal de contas, nem tudo é dinheiro, pois não?

Ele com a pele macia de quem acabou de cortar a barba e com uma curta cabeleira pintalgada de brancos que teimam em aparecer. Ela tem menos cabelos grisalhos mas uma face bem menos jovial.

Na hora e tal em que os vi juntos, não houve uma única palavra trocada entre si. Mas os olhares e os gestos ternos falaram mais do que qualquer discurso que pudesse ter sido feito. Um encostar de cabeça no ombro, um sorriso maroto, um beijo suave ao ouvido. As alianças de ouro que levam airosamente no anelar da mão esquerda dizem-me que são casados. A postura de ambos diz que o casamento dura já há alguns anos.

Odeio clichés, mas há um que diz que o amor verdadeiro vence sempre tudo. No caso destas duas almas ainda juntas no meio do infortúnio, o cliché aplica-se perfeitamente. Ninguém julgue que esta realidade é fruto da sorte ou de um feliz acaso. Pode ser, em parte. Mas um resultado destes deve-se à dedicação e à vontade de amar e viver em harmonia e estabilidade.

Aí estão eles. Invencíveis. Apaixonados. Mesmo numa fila para o centro de emprego.