O dia-a-dia é aborrecido. Não é a notícia que lemos no jornal
nem a pessoa macambúzia que vem ao nosso lado no metro que dão uma nova vida ao
nosso quotidiano. Pode ser mas, geralmente, não é. Aquilo que nos entusiasma é,
em 90 por cento dos casos, a arte. Seja ela qual for. No meu caso, é a música que
faz esse trabalho de espicaçar todas as pequenitas células do meu corpo, que têm
uma certa tendência natural para adormecer.
Ontem assisti ao ponto alto dos últimos tempos de uns quantos
milhares de portugueses. Numa decisão que tinha sido já tomada há uns meses,
efectivada pela compra de um pedaço de papel que todos cremos ser um bilhete de
concerto, fui ver a música dos Ornatos Violeta.
Impressiona-me a capacidade que cinco indivíduos têm de
criar algo que deixa em êxtase uma sala cheia de gente. O momento da criação de
uma “Ouvi Dizer” ou de uma “Chaga” deve ser uma verdadeira epifania. Gostava de
ter uma dessas. Não tenho medo de confessar: tenho inveja dos artistas.
A verdade é que a música tem um papel fundamental na vida de
todos nós. Antes de mais, é ubíqua, omnipresente. Ouvimo-la em todo o lado. Mesmo
quando não queremos. Especialmente quando não queremos. No carro, na rua, nos
centros comerciais, nas lojas, em casa, na TV. Em todo o lado.
Quando não a queremos por perto, chega a irritar-nos. Porque
gostamos de música. Mas não desta música.
Pelo menos comigo é assim. Não gosto de coisas repetitivas como música electrónica
ou aquelas canções orelhudas que passam na rádio, que nos dizem para ir ver os
aviões não sei aonde ou que um sul-coreano qualquer decidiu gravar. Dessas não.
Gosto doutras coisas. Do género daquelas que o Manel Cruz grava. Daquelas que o
Manel Cruz cantou ontem e pôs meio mundo aos saltos, na pequenita sala do
Coliseu de Lisboa. Sim, essas mesmo.
Quando oiço dessa música, a vida muda. Para melhor. Os tipos
que cantaram aquelas letras numa sala esconsa parecem sempre falar-me ao ouvido
e conhecer a minha vida ao mais ínfimo pormenor. Além disso, os músicos que
compuseram aquela miríade de sons parecem saber exactamente aquilo que preciso
de ouvir.
Depois, tenho a sorte de ter um bom ouvido. Não é
gabarolice. É uma qualidade assumida – nos dias que correm, ser-se humilde é
politicamente correcto, por isso não são só os erros que precisamos de assumir,
mas também as nossas qualidades. É uma das minhas maiores qualidades. Ainda me
lembro das músicas de Offspring que, no sossego do meu quarto, transpunha de
ouvido para a guitarra. Por isso, sei ouvir música. Sei prestar atenção a cada
detalhe de uma canção. Quem me conhece bem sabe que não minto.
Quem me quiser fazer feliz, leve-me a um concerto ou dê-me
uma viola para as mãos. Está feito. O menino está alegre durante umas horas e
fica satisfeito durante dias. Música é boa comida. Música é um livro fabuloso.
Música é sexo. Música é uma viagem intensa daqui ao outro lado do universo que
dura três ou quatro minutos. Música é tudo isso e muito mais. Posso ter os
ouvidos a zunir depois do “Pára-me Agora” ou do “Capitão Romance”, mas vale a
pena. A vida não é o dia a dia. A vida é um aborrecimento que vale a pena
atravessar penosamente por causa de momentos de extrema felicidade trazidos
pelas coisas que amamos. Se assim não fosse, o meu pedido diário seria “Mata-me
Outra Vez”.